No momento em que todos os constituintes brasileiros reconheceram o especial relevo do 3º setor, outorgaram-lhe a imunidade, desoneração de tributos, para motivar a sociedade a participar cada vez mais de suas atividades. A imunidade é uma vedação absoluta ao poder de tributar. Por isso, quando autoridades governamentais declaram que a imunidade é uma “renúncia fiscal”, demonstram elementar ignorância. Só renuncia quem tem algo a renunciar. Ora, se a Constituição proíbe, veda, interdita, qualquer tributação de impostos ou contribuições sobre a assistência social, inclusive saúde e educação, à evidência, o governo não renuncia a nada, pois não tem de que abrir mão. A repetição, todavia, à exaustão, da ignorância governamental, em que o baixo conhecimento jurídico é acompanhado de alto poder de pressão sobre a mídia, termina por encontrar eco nos meios de comunicação. De tanto repetir as mesmas equivocadas expressões, um assunto científico termina por se tornar uma falsa “verdade jornalística”. Desta forma, porque o governo precisa aumentar a arrecadação, entidades de saúde e educação, que há décadas prestam serviços admiráveis ao País, estão tendo o reconhecimento de sua imunidade cancelado, com a lavratura de grotescos autos de infração, que as tornarão inviáveis. O argumento do governo é a necessidade de arrecadação. Em outras palavras, porque o moloque estatal consome quantidade cada vez maior de tributos, escolhe-se agora extorquir o 3º setor, mesmo que à custa de sua inviabilização, transformandose uma imunidade constitucional em “renúncia fiscal”, o que é impossível, pois quem não tem o poder de tributar não pode a ele renunciar!!!
Há quem diga que a campanha orquestrada contra o 3º setor, mediante a organização de forças-tarefas e junção de esforços de vários setores da administração pública federal, tem o seu cerne na filosofia dos atuais detentores do poder. Em sua visão marxista da ação do Estado, não acreditam que possa a sociedade prestar tais serviços e que somente o poder é que seria capaz de fazê-lo. Assim, a lavratura de autos de infração, contra a lei e a Constituição, em volume ciclópico e valores spielberguianos, permitiria aos novos áulicos governamentais assumir tais empreendimentos a custo zero. Com isso, eles passariam a ser os seus diretos dirigentes e administradores! Qualquer que seja o desiderato governamental, o certo é que, por uma inacreditável desfiguração do princípio constitucional da imunidade, o 3º setor, que sempre fez mais do que o governo pela saúde, assistência e educação, está sendo dramaticamente atingido. A tudo isto, apesar de ter considerado de repercussão geral o exame do perfil jurídico da imunidade e sua regulação pela lei complementar, o STF assiste, reticente, a desestruturação do 3º setor a passos acelerados.
Fonte: JORNAL A TARDE, 5/11/2008